Notícias setorial/mercado

Consumo de trigo mais que dobrou nos últimos 40 anos

Projeto da Abitrigo é melhorar trigo brasileiro e aumentar exportações

O brasileiro está incorporando outros ingredientes em sua dieta alimentar, que tem ido além do tradicional feijão com arroz. Outro grão que ganha espaço na mesa das famílias é o trigo, a matéria-prima do pão nosso de cada dia, das massas, biscoitos e um dos produtos estratégicos que combatem a fome da humanidade, segundo a FAO (Food and Agriculture Organization). Nos últimos 40 anos, o consumo médio per capita no Brasil mais que dobrou, conforme projeções do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Atualmente, cada pessoa consome 60 kg de trigo em um ano, média considerada ideal pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Em pesquisa realizada pelo IBGE, notou-se que o consumo se concentra, na grande maioria, nas regiões Sul e Sudeste. Claudia De Mori, especialista em socioeconomia da Embrapa Trigo, credita isso aos "hábitos descendentes dos italianos e alemães e da maior renda per capita". Em ambas as regiões, quem lidera nas vendas é o pãozinho. Segundo Laércio Alves, gerente da Bella Paulista, uma das mais importantes padarias de São Paulo, o produto é um costume: "No café pedem na chapa, no almoço comem lanches e à noite acompanham as sopas".

Mesmo assim, outros países ainda seguem muito à frente no consumo de trigo: o Azerbaijão come 212 kg, a Tunísia 204,2 kg e a Argentina hoje encara 103,4 kg. Para a Embrapa Trigo, o perfil de consumo de uma população é determinado por uma série de fatores. Distribuição da população rural e urbana, cultura (etnia e crença), renda per capita e industrialização local podem definir o sucesso ou fracasso de um produto. No caso do Brasil, ainda há o aspecto edafoclimático, característica que define o perfil de oferta e variedade de produtos disponíveis na região, também capazes de afetar o consumo. Como Beatriz Botéquio, nutricionista da Equilibrium Consultoria, coloca: "Na Europa, há o macarrão, aqui é arroz, feijão e mandioca".

Os oponentes

Mas o que justifica tal lacuna? Há quem afirme que essa é uma questão cultural enraizada no brasileiro, outros veem o glúten como bode expiatório e alguns acreditam que o crescimento de consumo pode ser gradual. Enquanto isso, os produtores enxergam um mercado a ser explorado.

Além do clima inapropriado - quanto mais frio, melhor a produção do trigo -, o Brasil também possui uma ampla variedade de oferta de produtos a ser aproveitada. "Aqui se consome menos macarrão, bolo e coisas do tipo. No Brasil, o maior vilão do trigo com certeza é o arroz e feijão", exalta a nutricionista Beatriz.

Outro fator que vem "assustando" os consumidores de trigo é o glúten. No meio fitness, a proteína é considerada uma das grandes inimigas da dieta. Para a nutricionista, ao tirarem o glúten dos seus hábitos alimentares, as pessoas estão cometendo um erro. "Não há provas científicas em relação ao glúten e emagrecimento. A repulsa é uma modinha midiática", diz a especialista. Quem concorda com isso é Marcelo Vosnik, presidente da Abitrigo, que diz "não acreditar que as pessoas estejam embarcando nessa, glúten só faz mal para celíacos".

Já para a Embrapa, consumidores finais com grande heterogeneidade - renda, diversidade cultural, produção regional e clima - também dificultam o crescimento. De qualquer forma, a especialista afirma que, na história, existem exemplos de mudanças nesse "costume" brasileiro. "Se olharmos o consumo dos diferentes derivados de trigo no Brasil podemos ver a redução de consumo da farinha de trigo (de 5,1 kg por habitante ao ano para 3,4 kg) e aumento de consumo de pão (de 14,8 kg para 15,8 kg) e de mistura para bolo (0,18 kg a 0,27 kg). O perfil mudou: devido à entrada da mulher no ambiente de trabalho, famílias optam por comidas prontas em vez de produções próprias", conta Claudia.

Segundo a técnica da Embrapa, "não se trata de uma competição entre produtos alimentares". O que há, na realidade, é um interesse em potencializar o mercado "de maneira adequada ao perfil regional e cultural do cidadão brasileiro".

Produtividade: importações e exportações para melhorar o negócio

Em declaração dada a Globo Rural, a Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip) disse que as padarias movimentaram R$ 76,4 bilhões em 2013. E, anualmente, estima-se que 55% de toda farinha de trigo processada seja consumida pela indústria de panificação e confeitaria.

Essa, então, pode ser a grande chance dos agricultores brasileiros, já que a produção nacional não tem comportado o consumo próprio: dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estimam que o Brasil deva importar sete milhões de toneladas de trigo na safra de 2014/2015.

Isso acontece porque o Brasil ainda não produz trigo de alta qualidade - ou "panificável". Segundo Marcelo Vosnik, presidente da Abitrigo, o Brasil vive uma questão séria na relação entre produtividade e qualidade.  Para o presidente, a nossa variedade de trigos é produtiva, mas "sem qualidade suficiente para a panificação, o nosso maior mercado".

O desafio, então, é encontrar um modo de fortalecer o trigo brasileiro. Para isso, produtores estão trabalhando em parcerias com a Embrapa e outros desenvolvedores particulares nessa questão. "Tratar as cultivares é um projeto em longo prazo. Desenvolver o produto ideal e colocar para ser plantado comercialmente demora uns dez anos, pelo menos. Estamos caminhando, mas é um processo lento", conta Vosnik.

Nessa missão, "tropicalizar" o trigo é a última grande fronteira do produto. O trabalho vem se baseando em melhoramento genético para tolerância do trigo ao clima tropical e minimização da incidências de doenças sem comprometer a qualidade, para o produto ser comercialmente viável.

No entanto, importar trigo panificável dos Estados Unidos e da Argentina não é um problema para a associação. Segundo seu presidente, o Brasil não precisa ser autossuficiente na produção: "É mais fácil enviar o trigo americano para o Nordeste do que o gaúcho. Logística pura".

A Abitrigo e a Embrapa afirmam que apenas uma "ínfima parte" da farinha produzida no país é exportada. Nos últimos quatro anos, apenas 0,2% (1,3 tonelada) foram para exportação. Por ser um trigo mais fraco e considerado não panificável, ele é usado para suprir regiões do norte da África, para a produção do pão pita - pão de trigo tipo "envelope", uma folha que pode ser recheada e consumida como um sanduíche; e para a Europa, onde é utilizado como ração. "Prefiro exportar o nosso e importar para consumo. Sei que o Brasil é capaz de produzir mais do que consome, mas não vejo nada de ruim em continuar com as importações e exportações", conclui o presidente da Abitrigo.

Fonte: Globo Rural


COMPARTILHE: