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Superávit inusitado na balança do trigo

Nos próximos 45 dias, o preço de venda da farinha vai subir 15%, devido ao câmbio e a alta da energia, diz Christian Saigh.

Algo raro marcou a balança comercial do trigo no Brasil no primeiro bimestre deste ano. Um dos maiores importadores globais do cereal, o país exportou no período ano mais do que comprou no exterior. A maior parte do volume embarcado foi de trigo gaúcho, que foi destinado sobretudo aos mercados de ração do sudoeste asiático. Inusitada, essa balança positiva é também passageira. Os números deste mês de março já deverão confirmar uma volta à "normalidade".

Foram vendidas ao exterior entre janeiro e fevereiro 1.046 milhão de toneladas de trigo brasileiro, 41,1 % mais que o volume importado, (741 mil toneladas). Em receita, as exportações geraram US$ 216 milhões no bimestre, ante importações de US$ 193 milhões. Assim, o saldo positivo foi de US$ 23 milhões, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Safras & Mercado.

Importador líquido do cereal, o Brasil terá que precisar trazer do exterior neste ano ao menos 7 milhões de toneladas para atender à demanda doméstica, que será de cerca de 12 milhões de toneladas. Em 2014, entraram no país 5,8 milhões de toneladas,volume considerado pequeno em virtude do aumento da produção interna em 2013. Colhida no segundo semestre de cada ano, a produção brasileira é comercializada também ao longo do ano seguinte.

Na colheita passada, no entanto, as lavouras gaúchas foram prejudicadas pela ocorrência de chuvas torrenciais e de duração prolongada, o que fez proliferar nas plantações fungos acima do aceitado no mercado brasileiro. Esse trigo encontrou guarida no mercado de alimentação animal de países com exigências de qualidade menos rígidas, situados principalmente na Ásia e na África.

Desde o início do ano-comercial 2014/15., em agosto passado, a exportação de trigo gaúcho chegou a 1,3 milhão de toneladas. No mesmo período do ciclo 2013/14, esse volume sequer chegou a 30 mil toneladas, de acordo com os cálculos da Safras e Mercado.

Apesar das características não desejáveis para consumo humano, o trigo gaúcho foi vendido a valores bem atrativos. O preço médio de tonelada embarcada foi de US$ 298, enquanto pelo cereal importado, de qualidade superior - vindo sobretudo da Argentina e Estados Unidos, o país pagou, o país pagou, em média, US$ 311 por tonelada. Uma diferença, portanto, de apenas 4,3%.

Os embarques do cereal desde o início da safra, em agosto, até fevereiro já significaram a desova de quase toda a oferta "problemática" do Rio Grande do Sul. Do total de 1,7 milhão de toneladas colhidas no ciclo 1,1 milhão de toneladas foram exportadas.

Élcio Bento, analista da Safras & Mercado, diz, no entanto, que já em março o volume total embarcado deve ser ínfimo. A tendência é que as importações voltem a dar o tom da pauta, como acontece em todos os anos. A preocupação é que essas compras já estão sendo feitas a um câmbio bem salgado.

Nos próximos 45 dias, o preço da farinha vendida pelos moinhos paulistas deverá subir 15%, prevê o presidente do Sindicato da Indústria do Trigo de São Paulo (Sindustrigo-SP), Christian Saigh.

Além da valorização do dólar, que tornou o trigo importado 25% mais caro em um espaço de dois meses, os moinhos tiveram desde dezembro reajustes da ordem de 60% no preço da energia elétrica, segundo Saigh.

Os custos logísticos, continua o empresário, também ficaram 20% mais elevados, com a alta do diesel e com a nova lei dos caminhoneiros. "Além disso, o crédito está fechado para quem precisa de financiamento para operações externas. As linhas disponíveis estão com taxas 50% mais elevadas, diz o dirigente do Sindustrigo.

Também pesa neste momento um desaquecimento da demanda pela farinha. No primeiro bimestre do ano, segundo Saigh, as vendas do segmento em São Paulo, maior Estado do país, foram 5% menores. "Vemos um desaquecimento no atacado e no varejo. Os supermercados estão comprando menos, para reduzir o uso de capital de giro".

A oscilação forte do dólar em um espaço curto de tempo também causa problemas para alguns moinhos que encomendaram o trigo importado há 40 dias, a um câmbio de R$ 2,60, e precisam agora pagar pela matéria-prima a um dólar de R$ 3,10.

Conforme fontes de mercado, a maior parte dos contratos de importação entre moinhos e tradings é feita com um "descasamento" entre encomenda e pagamento de sete dias. "as negociações com prazo mais longo, de 30 a 60 dias, são realizadas por 25% do mercado, o que significa um volume mensal de 150 mil toneladas", estima um trader.

Se o dólar valorizado é motivo de preocupação para uns, para outros é uma excelente notícia. Travadas até o fim do ano passado diante da perspectiva de uma grande safras de trigo na Argentina , as vendas do cereal no Brasil já deslancharam com o dólar alto que encareceu as importações. Nas contas da Safras & Mercado, o trigo argentino chega ao Brasil a cerca de US$ 310 por tonelada, o equivalente a R$ 1008. Com o câmbio acima de R$ 3, o trigo paranaense, que chega a São Paulo por volta de R$ 730, tem margem para ir a R$ 900.

Maior produtor de trigo do país, o Paraná começou a ver sua comercialização avançar a partir do fim de dezembro. Desde então, o percentual vendido aumentou 22 pontos percentuais para 75% da safra, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral) do Estado. Mesmo assim, ainda há um atraso em relação ao mesmo período do ano passado, quando esse percentual estava em 93%. Esse atraso vem se arrastando desde o início da colheita, em agosto, quando apenas 2% estavam comercializados, ante 8% de agosto de 2013.

Fonte: Valor Econômico


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